Aposentar me cheira a mofo. Me remete a velhos sentados no sofá, tricotando ou vendo TV. Passivos. Na sala de estar com um jardim de inverno envidraçado faceando a rua. Ao mesmo tempo que pode me transmitir uma sensação de tranquilidade, de calma, de aconchego, passa-me também a sensação de passividade, de estar a reboque, à mercê de algo ou alguém.
Claro que é o meu retrato. Da história que vi. Vamos agora ao coletivo.
Aposentar, verbo intransitivo que significa ficar no aposento.
Se olharmos com uma lupa o verbo aposentar, ou no inglês, retire, se retirar, e refletirmos a respeito, veremos que os termos perderam absolutamente o significado para nós que queremos estar ativos em nossas vidas por muito mais tempo.
Quando falamos em aposentar a própria verbalização do termo nos remete a um estado de espírito em completa oposição ao que almejamos para nossas vidas.
Não queremos mais nos aposentar. Não queremos mais nos aposentar da vida.
Pelo contrário. Queremos viver intensamente.
E aqui vem o desafio e a oportunidade.
No momento em que vemos se aproximando o final de nossas carreiras podemos começar a vibrar com as possibilidades futuras.
Passando do ter-que para o poder-se. Da obrigação para a permissão. Permissão de escolher. Permissão de auto realização.
É um desafio? Certamente. Tanto maior para as pessoas que viveram sua primeira vida, sua primeira carreira, acostumados a seguir padrões, cumprir horários e obrigações, e que não exercitaram o hábito de refletir para abrir as janelas de oportunidades para si mesmos como indivíduos únicos.
Criamos nossos filhos, vimos nascer nossos netos, vivemos o papel de provedores, de pater familias. Cumprimos bem nosso papel.
Chegou a hora de olharmos para nós mesmos. Para nossos quereres. Para nossos talentos múltiplos, para o que nos faz felizes. Reconhecendo nossas vocações. Além da sobrevivência. Abençoados aqueles de nós que conseguiram viver até agora suas vidas dignamente, e que conseguiram equilibrar o material com o espiritual.
Resolvidas as questões da sobrevivência, o que já é uma dádiva, abrem-se as janelas e portas das varandas para viver talvez a melhor parte de nossas vidas.
A maturidade já nos tornou mais sábios, a ansiedade já nos deixou, o vinho envelheceu e suas notas ficaram mais marcantes.
Dos 60 aos 90 temos mais 30 anos. 30 anos para a segunda carreira, para viver mais em alinhamento com nossos valores, para o protagonismo junto à sociedade, para um desfrutar maior de nossas amizades, de nossos hobbies.
30 anos para um repactuar com a vida, um novo acordo, 30 anos para sonhar, criar, viver cada momento.
O repactuar para recriar o brilho em nossos olhos.
O repactuar para novos sonhos e objetivos.
Onde o aposentar ficou lá para trás. Na história.
Sou repactuado. Nunca mais aposentado.
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Edgar Werblowsky é organizador do Fórum de Talentos Grisalhos, em parceria com a FGV, apoios da ABRH-SP, GPTW, da AHK – Câmara Alemã, patrocínios da Brasilprev e da Sharecare, e que acontecerá no dia 10/4 no teatro da FGV