Hildur Jackson: uma das “inventoras” do cohousing no mundo – Free Aging

Hildur Jackson: uma das “inventoras” do cohousing no mundo

Hildur Jackson: uma das “inventoras” do cohousing no mundo

Hildur Jackson conta aqui o início do Movimento de Cohousing na Dinamarca. Ela reconhece como o poder de viver em comunidade influencia as crianças. E como a comunidade possibilitou que ela, como mãe, fosse ativa, entre outros, na criação da Rede Global de Ecovilas.

Em 1969 eu estava sentada em minha nova casa em Copenhague com meus dois meninos saltitantes de 6 e 18 meses. Eu tinha acabado de me formar em direito e estava especulando sobre como minha vida poderia se desenrolar. Devo seguir a carreira de advogada ou de funcionária pública e deixar as crianças na creche com estranhos por muitas horas todos os dias? Ou devo desistir da minha carreira e ficar em casa para cuidar dos meus filhos sozinha? Não havia uma terceira opção aparente. Quando eu tinha 14 anos, prometi permanecer solteira e independente. Todas as mulheres que vi ao meu redor estavam insatisfeitas em seguir qualquer uma dessas escolhas. Eu estava agora com um homem em quem tinha confiança e queria evitar cair na mesma armadilha que minha mãe e outras mulheres de sua geração.

Não haveria realmente outras opções além de uma carreira em tempo integral – penalizando assim meus filhos – ou ficar em casa e esquecer uma parte da minha energia que queria fluir para o mundo?

 

Em 1968 decidi continuar os meus estudos, agora em sociologia cultural, para saber mais sobre a natureza humana e, em particular, para saber se existiram sociedades noutras partes do mundo, ou ao longo da história, que tivessem encontrado melhores soluções para este dilema. Entrei para o movimento feminista, que estava começando naquela época. Com um bebê no colo e meu marido cuidando do outro, participei de reuniões nas quais as mulheres compartilhavam suas preocupações.

 

Um dia li um artigo de jornal no Politiken (um grande jornal dinamarquês), ‘Crianças precisam de 100 pais’. Uma centelha me atingiu. É claro! Muitas mulheres tiveram o mesmo problema. Juntos poderíamos criar algo novo.

Assim, tomei a iniciativa de estabelecer uma situação de vida em que várias famílias combinassem casas particulares com um espaço aberto comum, não tivessem cercas e compartilhassem algumas instalações – um conceito que mais tarde ficou conhecido em inglês como cohousing. Fundei um grupo com amigos e começamos a procurar imóveis. Em três anos, criamos uma pequena comunidade de seis famílias e convertemos uma antiga casa de fazenda perto de Copenhague em um espaço comum. Basicamente, a iniciativa foi um experimento social e muito bem-sucedido. Chamava-se Hoejtofte — por causa da fazenda que compramos.

Soubemos mais tarde que duas outras iniciativas semelhantes surgiram como resultado desse mesmo artigo de jornal. E ainda estão ambas funcionando bem, como

grupos de cohousing, junto com mais de 200 outros. Este foi o início do movimento de cohousing que se espalhou pelo mundo e que também nos inspirou a fazer parte do nascimento do movimento mais amplo das ecovilas.

O cohousing começou como uma forma de criar uma infância melhor para as crianças, fato que às vezes é esquecido.

 

Inventando o cohousing

Desenvolvemos a ideia de cohousing à medida que avançávamos. Viver com outras seis famílias com seus filhos era divertido e bem diferente de viver uma vida suburbana comum – embora nosso projeto estivesse situado no meio de um subúrbio comum perto de Copenhague. Optamos por não ter fronteiras entre nossos jardins. Tínhamos dois gramados gigantes para jogos e uma casa comum e estábulos. Criávamos galinhas, cuidávamos de uma grande horta comum e tínhamos árvores frutíferas e arbustos de bagas. Muitas vezes, todos os homens, e ocasionalmente uma ou duas mulheres, jogavam futebol com as crianças – e todas as outras crianças da vizinhança também.

 

Hildur e um dos pôneis

Também tivemos três cavalos islandeses, que foram muito divertidos. As meninas dos nossos vizinhos ajudavam a cuidar dos cavalos e muitas vezes também cuidavam do nosso filho mais novo. Todos os domingos íamos cavalgar na floresta. As crianças tinham muitos amigos, pois Hoejtofte era um centro natural de atividades no bairro maior. Poderíamos nos encontrar e fazer celebrações em nossa casa comum. Com o tempo, nos tornamos muito bons em celebrar usando música e teatro. Nas tardes de verão, muitas vezes corríamos ou andávamos de bicicleta até um lago próximo na floresta e íamos nadar.

 

Como a antiga casa estava em constante necessidade de reparos, reservamos um fim de semana por mês para esses trabalhos. Isso ajudou a fortalecer a cola da comunidade entre nós. E estas são algumas das memórias de infância mais queridas de nossos filhos.

Nossa vida era divertida e rica. Quando meu marido Ross viajava a negócios, o que era bastante frequente, nunca me sentia isolada. Doze anos após os dois primeiros, tive um terceiro filho e experimentei a alegria de ser a mãe do ‘nosso primeiro bebê de cohousing’ com doze pais para cuidar dele. Eu sempre poderia obter ajuda. Ter um filho em tal ambiente era uma bênção constante.

A escola local frequentemente comentava que as crianças de nossa comunidade eram boas em compartilhar e resolver problemas. Elas aprenderam a democracia direta em Hoejtofte, pois faziam parte dos processos de tomada de decisão. Além disso, elas se beneficiaram muito de ter muitos modelos adultos. Meus meninos aprenderam com os vizinhos o que não puderam aprender comigo ou com meu marido. E eles aceitaram facilmente que as regras da casa eram diferentes em casas diferentes. Compartilhamos responsabilidades e as alegrias e tristezas da vida. Os adultos apoiaram-se mutuamente de várias maneiras. Por exemplo, quando um homem teve um colapso mental, três de nós ficamos com ele por várias noites e dias (deixando nossos empregos nesses dias), evitando assim que ele precisasse ser hospitalizado.

Acredito que as mulheres são naturalmente boas comunicadoras e se saem bem em ambientes comunitários. Em comunidades como a nossa, as mulheres não eram reprimidas de forma alguma. Para mim, este foi um importante passo à frente no processo de alcançar a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Isso me permitiu encontrar um meio-termo entre ter um emprego e ficar em casa. Estudei, fiz trabalho ativista, escrevi. Em 1981, juntei-me à Nordic Alternative Campaign – 100 movimentos nórdicos de base trabalhando com a comunidade científica tentando criar uma visão de como resolver os problemas globais, sociais e ecológicos com uma visão única e encontrar maneiras de realizar essa visão. Durante 10 anos coordenei este projeto de forma voluntária. Realizamos exposições, concursos de ideias, montamos projetos preliminares, reuniões e seminários na Dinamarca, Noruega e Suécia. Sem a comunidade de cohousing como base estável e sem um marido disposto a pagar as contas, isto não poderia ter acontecido. E foi o pré-requisito de iniciativas posteriores de uma rede dinamarquesa e depois global de ecovilas.

E foi ótimo para as crianças. Pergunte às crianças hoje e todas elas querem viver em comunidades de cohousing. Algumas já o fazem, embora seja tão difícil hoje como era então construir um, pois mesmo na Dinamarca há pouco incentivo local (mas também nenhuma resistência ativa), nenhum apoio de nossos políticos e terras adequadas são escassas. Apesar disso, existem mais de 200 grupos de cohousing familiar, muitas ecovilas e muitos grupos de cohousing para idosos. Suas unidades são vendidas com facilidade.  

Todos os filhos de Hoejtofte se mudaram, mas mantiveram contato. Muitos têm seus próprios filhos. Continuamos a nos encontrar uma vez por ano – os últimos três anos na comunidade de cohousing de Bakken, onde uma das crianças de Hoejtofte agora vive com o marido e três filhos. Na última contagem éramos 45, com 28 crianças menores de oito anos. Todos aprendemos muito sobre resolução de conflitos, sobre amor e solidariedade. As comunidades de cohousing oferecem uma forma alternativa de resolver problemas sociais sem envolver instituições públicas — e a um custo muito menor!

 

Crianças em outras cohousings e ecovilas

Embora a nossa experiência tenha sido pequena, acredito ela é bastante representativa do que as crianças vivenciam em outras comunidades de cohousing e ecovilas também. Tenho visitado projetos em muitos países e encontro os mesmos padrões. Bakken, uma comunidade de cohousing de 25 anos, tem uma pequena academia que é o paraíso para as crianças. Vários locais possuem creches e escolas na comunidade. Conhecer tantos outros adultos e ser acolhido em tantos lares torna as crianças muito abertas e confiantes. Elas podem se movimentar sozinhas desde a mais tenra idade, o que contribui para mais independência. As oportunidades são tão abundantes e os amigos tão acessíveis que elas assistem menos TV do que a média. Elas são livres para tomar suas próprias iniciativas e criar seus próprios jogos. Os relacionamentos com o mundo animal e vegetal permitem que elas ganhem o respeito e a compreensão de outros seres além delas mesmas. Você sempre encontra alguns animais (galinhas, coelhos, cavalos, ovelhas) nas comunidades, pois eles podem ser cuidados, quando saímos de férias, por outros membros da comunidade.

 

Qual é a situação das crianças agora em 2007?

Criar filhos na sociedade ocidental não se tornou mais fácil do que em nossos dias de juventude. Todos os nossos filhos agora têm seus próprios filhos, então eu vejo muitas crianças crescerem. Adoro passar tempo com eles e só desejo que todos possam viver em um projeto de cohousing.

As mulheres da geração dos meus filhos estão sob mais pressão do que antes, pois todas trabalham em tempo integral com empregos profissionais e exigentes. As crianças são colocadas em instituições desde cedo e passam a maior parte do dia rodeadas de muitas outras crianças e de muito barulho. Seus impulsos internos são fortemente regulados pelo que a instituição oferece e pela escassez de pessoal. Em seu tempo livre as crianças assistem muita televisão e jogam jogos eletrônicos. Elas costumam ter TVs em seus quartos, games e telefones celulares. Na TV elas veem notícias de guerras e conflitos, desenhos violentos em constante fluxo e comerciais que visam transformá-las em grandes consumidores. A comida que elas recebem é muitas vezes trash e fastfood, mesmo enquanto os pais lutam para fazê-las comer corretamente.

 

Estou profundamente preocupada com essas condições em que as crianças crescem hoje em nosso país. Os funcionários na Dinamarca têm seis semanas de férias por ano e muitas vezes esse é o único período em que as crianças vivenciam a natureza de maneira mais direta. Esse modo de vida não é suficiente para ensinar as crianças sobre a natureza e a vida e desenvolver o tipo de pessoas democráticas, autoconfiantes e amorosas de que precisamos para mudar o mundo. O movimento de cohousing e, posteriormente, o movimento de ecovilas, que acredito serem apenas duas variantes do mesmo impulso básico, representam uma ideia que oferece uma solução para as crianças. Eu ainda acho que se por nada mais devemos construí-los para nossos filhos. Eu diria que é preciso uma aldeia e pelo menos 20 pais para se criar uma criança. Comunidades de cohousing e ecovilas estabeleceram uma base sólida para o futuro e estão prontas para um reconhecimento e apoio mais amplos, à medida que a desilusão com as consequências negativas da sociedade de consumo se espalha.

As pessoas estão começando a perceber que devemos avançar para uma sociedade global sustentável e justa, baseada não nas necessidades de entidades comerciais e seus aliados, e de políticos sedentos de poder, mas nas necessidades e desejos de pessoas reais em todos os lugares.

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Este artigo, traduzido por Edgar Werblowsky,  aparece em Beyond You and Me, o primeiro volume da série “Quatro Chaves para Comunidades Sustentáveis” da Gaia Education (oficialmente endossada pela UNESCO).

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