O cohousing, uma forma de comunidade intencional, tem despertado cada vez mais interesse na população brasileira.
Um dos indicadores disto é o surgimento crescente de posts nas redes sociais sobre o interesse de envelhecer com amigos.
Com o envelhecimento da população, e a tendência dos filhos de viverem as próprias vidas, foi-se o tempo em que filhos ficavam cuidando dos pais. Nem os envelhescentes querem mais isso. A tendência são vidas autônomas para todos.
Com o fantasma da solidão, e o receio da falta de apoio mútuo para uma vida digna, o envelhecer solitário tem sido objeto da preocupação de uma grande fatia da população. Redes de relacionamento e conexões sociais de apoio mútuo estão na mira das pessoas que não querem envelhecer sozinhas.
No cohousing, uma modalidade de vida que combina privacidade com comunidade, conexões sociais são a alma. O modelo nasceu na Dinamarca nos anos 60. De lá se espalhou pela Holanda, chegando aos Estados Unidos e Canadá.
Como comunidade intencional planejada, o conceito parte da intenção de um grupo inicial de planejar uma vida em conjunto. Das reuniões iniciais começa-se a formar o grupo, que vai atraindo amigos dos fundadores.
Só a partir de muitas reuniões, onde os participantes do grupo vão se conhecendo e delineando como e onde querem morar, quais espaços comuns pretendem ter, e que atividades querem ter no cohousing, é que se parte para o projeto de implantação. Que é uma consequência dos desejos dos participantes.
O processo normalmente é longo, podendo levar dois, três anos, e até mais. Para ter êxito, é recomendável que seja conduzido por um profissional como mediador. Seu papel é essencial e pode significar a diferença entre o sucesso e o fracasso. O trabalho dele é gerenciar os processos de decisões do grupo. Ele tanto pode ser um arquiteto com experiência em negociação quando um mediador profissional familiarizado com técnicas de governança, como sociocracia ou governança dinâmica, por exemplo.
O tamanho de um grupo de cohousing não deve ser nem muito pequeno nem muito grande. A média internacional de número de unidades (casas ou apartamentos) de um cohousing é de vinte a trinta. Se for menor, os custos comuns podem ser elevados. Se maior, perde-se a escala humana, em que todos podem se conhecer e se relacionar.
Os cohousings podem ser intergeracionais, e um bom case é o Pioneer Valley Cohousing, de Amherst, Massachussets. Criado há 22 anos, ele é um dos mais visitados, como modelo, nos EUA. Seu ponto forte é a governança e seu sistema muito organizado e dinâmico de grupos de atividades, tornando-o muito vivo e vibrante. Seu sucesso é confirmado pelo baixíssimo índice de rotatividade dos membros. Mais de 90% dos membros residentes atuais ainda são da geração de fundadores. O caráter vibrante dele faz com que a fila de espera para adquirir uma casa lá seja grande. O que valorizou muito a propriedade. Só há uma maneira, prevista nos estatutos, de furar a fila: ter crianças pequenas. O Pioneer Valley quer se rejuvenescer. A convivência entre mais velhos e crianças é para eles prioridade. Do outro lado da moeda e do hemisfério está o Vila Conviver, o cohousing em formação da Ad Unicamp, a associação dos docentes da Unicamp. Aqui a regra é cincoenta anos para cima.
A diversidade não pára por aí. No norte de Londres estabeleceu-se há dois anos o New Ground Cohousing. Sua peculiaridade é que ele é uma comunidade de somente mulheres. Todas acima dos 50. Aqui homem não entra. Só como convidado. O sucesso é tal que no site consta No Vacancies. Não há vagas. Angela Ratcliffe, 80, que me recebeu para uma visita, é uma das fundadoras. Oito anos foi o tempo que demorou para o grupo conseguir construir seu cohousing. Na Inglaterra os terrenos nas áreas urbanas são caros, fazendo com que a tarefa de conseguir um bom espaço a um preço razoável seja penosa. Assim que o grupo identificou e negociou uma área adequada, no norte de Londres, tranquila, verde, bem localizada, perto das principais ruas do comércio e a um preço que podiam pagar, começou a construção.
O lugar é lindo, os apartamentos, todos com sacada por sobre o cuidado jardim-gramado central, são maravilhosos. A decoração do flat de Ângela é tão moderna e atraente que já me fez querer ficar por lá alguns dias. Para quem imagina que cohousing é algo simples, vai se surpreender enormemente. Perguntei para Ângela: “por que só mulheres?” Segundo ela, o motivo foi a independência que desejam. Não ter que prestar satisfações aos homens. Palavras de uma pessoa que nasceu em 1937. Talvez na Inglaterra da época eram os homens que ditavam as regras.
Se no New Ground as disputas são coisa do passado, do outro lado do Canal da Mancha e do Mediterrâneo, na pequena Israel, país de kibutzim e moshavim, onde cohousing, por estranho que pareça, é algo novo, as diferenças são mais reais. O fato é que somente agora está se formando o primeiro cohousing sênior do país. E aqui, a disputa tem bases religiosas. As diferenças se dão por conta do grau de prática da religião e da crença dos membros do grupo que está em formação. O bom é que todos querem achar uma solução, para o bem comum.
Para David Menscher, um dos fundadores deste cohousing senior, o Cohousing Israel, “o grande inimigo da terceira idade é a solidão”.
Se o inimigo é a solidão, o desafio deles é conviver num grupo formado por pessoas com diferentes graus e níveis de observação da religião. Desde os bastante religiosos, que respeitam o Shabat, rezam diariamente, não atendem telefone neste dia, até os agnósticos e ateus, todos judeus, para quem a religião não faz parte de suas vidas. O tema foi pauta de um dos workshops que o grupo organizou, num retiro de fim de semana em meio à natureza, perto das montanhas do Golan. E as palavras centrais acordadas pelo grupo para definir sua vida em comum foram tolerância e respeito. Isto deveria presidir as normas de convivência do futuro cohousing. Como exemplo, falar ao celular ou responder emails, vital para os não observantes, seria possível só fora dos espaços comuns, para não ferir a santificação do dia, um valor essencial para os mais religiosos.
Uma característica que parece ser comum na maioria deles é o valor dado à natureza. O Pioneer Valley está localizado numa área muito grande, com amplos espaços ajardinados, bosques, horta, numa das regiões mais bonitas de Amherst, e a poucos quilômetros do centro da cidade e da UMass, a Universidade de Massachussets. Como vizinhos estão a bela floresta atapetada por folhas do Puffers Pond, o belo lago fonte de inspiração para grandes escritores norte-americanos, como Emily Dickinson. E tem mais. O Pioneer Valley é “criador” e “acionista”, junto com outros cohousings da região, de uma fazenda de orgânicos nas imediações. Como consequência, os residentes desfrutam de verduras e frutas fresquinhas e saudáveis da horta todos os dias.
Se o cohousing vai ser rural, suburbano ou urbano, é o grupo quem vai decidir. Os formatos são os mais variados, e os modelos também. Um cohousing pode até se instalar num edifício cujo uso foi reciclado para se tornar um residencial.
Os membros da AdUnicamp resolveram criar o seu na região urbana de Barão Geraldo, próximo à universidade onde estão vivendo suas vidas.
O Brasil está buscando novos formatos para se viver com dignidade e qualidade de vida o envelhecimento. As conexões sociais são, segundo pesquisa da psicóloga Ellen Langer, de Harvard, que esteve recentemente no Brasil em evento organizado por Abílio Diniz e sua plataforma Plenae, o mais importante fator para uma vida longeva. Sua pesquisa foi realizada nas Blue Zones, os paraísos da longevidade no planeta, como as ilhas da Sardenha, Okinawa, e Ikaria, a península de Nicoya, na Costa Rica e a comunidade de Loma Linda, na Califórnia. O conceito foi criado por Dan Buettner, da National Geographic.
O isolamento e a solidão serão os problemas mais sérios enfrentados pela população que envelhece. Maneiras de lidar com este desafio estão na pauta das organizações que se propõem a vislumbrar um futuro melhor em moradia e conexões humanas para a longevidade. A pesquisa de Ellen Langer comprova. Os impactos da qualidade das conexões humanas para a saúde e o bem estar são comprovados. Pesquisa da Cohousing US, a associação de cohousings dos EUA, mostra que as pessoas que moram em cohousings vivem em média sete anos a mais.
A Free Aging está organizando o Curso Internacional de Cohousing, de 5/7/21 a 13/9/21. O curso contará com os especialistas em cohousing Laura Fitch, Kathryn Mccamant, Jerry Koch-Gonzalez e Ted. J. Rau.
Laura Fitch é arquiteta, fundadora e moradora há 20 anos no Pioneer Valley Cohousing, estudou arquitetura nos EUA e depois especializou-se em cohousing na Dinamarca, tendo projetado inúmeros cohousings nos EUA.
Kathtyn Mccamant é arquiteta licenciada e co-autora do livro oficial sobre cohousing, Cohousing: A Contemporary Approach to Housing Ourselves, que introduziu este modelo de moradia na América do Norte.
Kathryn Mccamant foi cofundadora da McCamant & Durrett Architects / The CoHousing Company com Charles Durrett, em 1987, e fez parceria com o desenvolvedor Jim Leach em vários projetos. Desde então Katie projetou e desenvolveu dezenas de comunidades de cohousing nos Estados Unidos e Canadá.
Jerry Koch- Gonzalez é um instrutor certificado pelo CNVC em Comunicação Não Violenta e um consultor certificado pelo ISCB em sociocracia. Jerry foi cofundador da Sociocracy For All em 2016 com seu parceiro de vida e trabalho Ted Rau, e mora na Pioneer Valley Cohousing Community.
Ted Rau gosta de sonhar com um mundo projetado para conexão - e mapear os passos para chegar lá, como cohousing, comunicação não violenta e sociocracia. Um lingüista PhD em linguística e instrutor de sociocracia em tempo integral, vive com 80 pessoas e família no Pioneer Valley Cohousing Community, em Amherst, Massachussets, e é co-autor do manual "Many Voices One Song".
Informações e inscrições para o curso em www.cursocohousing.com.br
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Edgar Werblowsky é criador da Free Aging e fundador da Freeway Viagens e organizador do Curso Internacional de Cohousing