Está o mercado preparado para o tsunami grisalho?
Com poucas exceções, as empresas, as associações e mesmo os governos estão pouquíssimo preparados. Aliás, estão assistindo ao rápido envelhecimento da população de camarote, quase inertes, sem saber como reagir, nem que atitude tomar.
Há exceções. Algumas empresas, como a Shidax, do Japão, já enxergaram a oportunidade. Maior rede de karaokês do país, converteu muitos dos seus espaços em salas de aula, onde os alunos, especialmente mulheres com seus 50 a 70 anos, podem escolher entre seus mais de 60 cursos que vão da dança e idiomas a tradicionais workshops de ikebana.
A Harley-Davidson, cujo consumidor médio tem 50 anos, começou a olhar para outros públicos, como as mulheres e os adultos idosos, diminuindo a altura dos bancos de suas motocicletas, para facilitar o sentar. A marca também lançou sua “trike”, uma motocicleta com três rodas, que está se tornando popular entre os veteranos seniors.
É surpreendente que os adultos idosos no primeiro mundo estejam já consumindo a impressionante marca de 40.000 dólares ao ano, contra os 30.000 dos adultos entre 30 e 45 anos. A diferença pode ser creditada às dívidas contraídas pelo segmento de jovens adultos, aliado à grande recessão de 2008.
Uma explicação parcial são as pesquisas nos EUA que mostram que os baby boomers não consideram importante deixar uma herança. Em muitos casos não é nem uma questão de escolha. Pois muitos dos velhos irão sobreviver à sua poupança.
Parece incrível, mas dados do The Economist apontam que somente 30% das empresas estão incluindo o mercado grisalho em seus planos estratégicos. Pior, segundo o Boston Consulting Group, apenas 15% das companhias criou algum tipo de estratégia de negócios focada em adultos idosos. E vejam que o BCG estima que em 2030 a população acima dos 55 anos será responsável, nos EUA, por 50% do crescimento do consumo desde 2008, 67% do crescimento no Japão e fabulosos 86% na Alemanha.
Uma outra pesquisa, desta vez do Euromonitor, prevê para 2020 um consumo 60+ de 15 trilhões de dólares, ou 7 vezes o PIB do Brasil.
Não será exagero afirmar que num futuro breve as mais avançadas economias do planeta estarão reféns das necessidades, desejos e caprichos de vovôs e vovós.
Joseph Coughlin, um dos maiores estudiosos do mercado grisalho, diretor do AgeLab do MIT, em seu livro The Longevity Economy: Unlocking the World’s Fastest Growing, Most Misunderstood Market, mostra sua inconformidade com esta miopia empresarial.
Coughlin mostra que em 2015 o consumo dos americanos acima dos 50 anos superou os 5,5 trilhões de dólares, enquanto os que têm menos de 50 anos gastaram menos de 5 trilhões. Ou seja, o mundo já é grey. A próxima onda será a do old is beautiful.
Coughlin segue apresentando dados sobre esta miopia. Em 2015 as empresas gastaram cinco vezes mais com millennials do que com todos os outros grupos etários reunidos. Não deixa de ser então natural que os adultos idosos achem que as empresas não lhes dedicam atenção. Uma crise? Certamente … e a ser aproveitada.
Posto na mesa o desafio resta encontrar os porquês, para depois arregaçar as mangas e partir para as estratégias, agarrando com unhas e dentes este carente e desafiador mercado.
As respostas começam pela extrema juventude dos executivos de marketing, que provavelmente têm dificuldades de entender as gerações de seus pais e avós. Continuando com as respostas, olhamos agora para a dificuldade que os especialistas têm de entender este grande e diverso mercado, em suas nuances, diferenças, preconceitos e dinâmica própria. Uma tarefa muito mais complexa do que criar estratégias para millennials, com seu comportamento mais previsível e até facilmente influenciável.
E não que haja falta de estudiosos dedicados ao tema. A Newcastle University, um dos mais atuantes centros do conhecimento sobre o mercado senior na Europa, ostenta, através de seu Centre for Aging, um impressionante acervo de 600 pesquisadores trabalhando as temáticas do envelhecimento.
Parte deles em conjunto com a indústria, desenhando soluções para atender necessidades reais e desejos dos seniors. Os projetos incluem o design de uma cozinha universal e até a extensão do tempo de direção dos idosos. Os impactos podem ser enormes. Meros dois anos de direção adicional podem injetar bilhões de dólares na economia.
Falando de desejos chegamos à grande indústria da moda. Aqui há a necessidade premente de desconstruir ideias ultrapassadas. Verdade que à medida em que envelhecemos podemos perder gradualmente nossas habilidades físicas. Mas nosso senso de moda e beleza não perderemos jamais.
E apesar disto a maioria do vestuário oferecido para adultos mais velhos geralmente está fora de moda. A extensão da vida necessita de um olhar mais multisegmento, plurietário, onde se enxergue o adulto grisalho como um consumidor ativo, desejoso de consumir, com a diferença de que seu consumo é muito mais consciente e criterioso do que o juvenil. Que a beleza é fundamental já falava o poeta. É hora do design das roupas migrar do function-oriented para o style-oriented.
E se formos ao extremo, olhando para a dor, vista através da lupa como uma de suas mais sofisticadas e desafiadoras demandas no envelhecimento, o mercado das pessoas com Alzheimer, chegamos à vila de Hogeweyk, numa pequena cidade da Holanda. Estudos realizados nesta vila holandesa, que é um case mundial de condomínio para pessoas com demência avançada, mostrou que beleza, bom gosto e estética interferem sim, e muito, na qualidade de vida dos residentes com Alzheimer. E por mais estupefatos que fiquemos isto sim é fato, e sim, é mercado.
Wrapping up esse conhecimento chegamos à conclusão de que o provedor de produtos e serviços para os envelhescentes ou idosos deve ser um “estilista do envelhecimento inteligente”, e que cabe a ele propiciar uma maneira elegante de superar os inconvenientes deste envelhecimento.
E aqui a habilidade, empatia e carinho expressos pelos mercadólogos e pessoas de atendimento e vendas são essenciais para que os idosos possam sentir o respeito e a consideração por suas necessidades.
Dentro do desfile de oportunidades geradas pelas necessidades dos seniors surge com destaque a habitação. Este nicho, enorme, vem crescendo de forma contínua, lucrativa e resiliente. Nos Estados Unidos, que há mais de 30 anos vem enxergando e investindo em moradias para aposentados, ele foi o segmento que mais robusto saiu da recessão, apresentando margens superiores a todos os demais segmentos do real estate.
As oportunidades são enormes, em todos os seus subsegmentos. Que vão da construção de condomínios para idosos independentes, aos campus que incluem opções para as pessoas que necessitam de assistência contínua, até os centros para os idosos com demência avançada.
Uma das modalidades em expansão no Brasil é a conversão de uso, de edifícios, flats e hotéis em residenciais para os adultos idosos.
Beacon Hill é um bairro residencial de luxo em Boston. Cerca de 14% dos 9.000 moradores da área têm mais de 60 anos. A maioria deles não quer sair da área mesmo quando está muito velha, o chamado Aging in Place. O Village Concierge é um serviço do condomínio, de muito sucesso, onde um membro pode simplesmente ligar e solicitar serviços como compras, transporte, limpeza, pequenos reparos e outras necessidades domésticas diárias. E a demanda por estes serviços só faz aumentar. .
Mas do que precisam mesmo os seniors para envelhecer bem e com saúde? Vamos começar com o conceito das Blue Zones, os ícones do envelhecimento saudável, as ilhas de longevidade do planeta. São cinco: a ilhas de Okinawa, no Japão, de Ikaria, na Grécia, da Sardenha, na Itália, a península de Nicoya, na Costa Rica, e a comunidade de Loma Linda, na Califórnia. Todas reúnem a maior coleção de centenários per capita do mundo.
Estudos realizados por pesquisadores de Harvard nestas comunidades mostraram que o fator mais importante para uma longevidade saudável e feliz, mais do que a alimentação saudável, a redução do stress ou o exercício físico, são as conexões sociais de valor, os relacionamentos pessoais com amigos de verdade e com a família.
E se a tecnologia acena com um crescente leque de inovações para tornar a vida dos adultos idosos mais segura e independente, o isolamento e a solidão necessitam, como antídoto, de modelos de relacionamento pessoal, físico e carinhoso. E é neste cruzamento entre o acesso galopante a tudo o que é digital, com a bit-ização da vida, e o privilégio exíguo da oferta do toque humano, pessoal e sensível, que se encontra a arte de um envelhecimento saudável e feliz. Falar de arte não é exagero. O futuro necessitará da conjunção dos techs com os artistas e com os especialistas em gente.
O drama do isolamento e da solidão vai poder encontrar na indústria de serviços inteligentes uma resposta para suas aflições. O número de aposentados que não têm onde ir todos os dias não pára de aumentar. Vão em busca de espaços coletivos que substituem, como mães de aluguel, seus antigos locais de trabalho.
A primeira e mais óbvia parada nesta busca é o varejo, que o idoso enxerga como um lugar para se conectar com alguém, provavelmente um vendedor, e assim sair do seu isolamento e da sua solidão. Ele busca ansiosamente por um porto novo, que substitua o local de trabalho, que ele não tem mais. Mas que também não o identifique como velho.
O “Café Starbucks” tornou-se um grande sucesso com este conceito de porto.
E um bom exemplo deste porto novo focado nos adultos idosos é o Mather Café, em Chicago. A atmosfera do café é elegante, inspiradora. Não parece um local para velhos. Numa sala ao lado do café o Mather oferece mais de 40 programas diferentes, com aulas de tudo o que se possa imaginar, e onde se pode fazer novos amigos.
O inteligente aqui é que eles não estão ganhando dinheiro apenas com um café para adultos mais velhos. Seu sucesso vem do algo mais. Eles oferecem um lugar para adultos idosos se reunirem e conhecer outras pessoas.
Migrando para a ponta da alegria vamos agora voltar os olhos para o mercado de lazer e turismo. Além do turismo tradicional, tão conhecido por nós, este mercado tem também uma derivação que se encontra em franco crescimento. É uma cross section com o mercado do aprendizado.
Um produto de sucesso é o Elderhostel, que oferece aventuras de aprendizado para pessoas com mais de 55 anos. Seu programa consiste não apenas de palestras em salas, mas também de experiências reais externas. Seus programas são baseados em temas que estimulam o interesse intelectual dos idosos. Para cada grupo a Elderhostel atribui um líder para criar uma atmosfera amigável, além de criar uma oportunidade de reunir pessoas com interesses semelhantes.
A Lasell Village é um condomínio vinculado a uma faculdade para idosos em Massachusetts. Localizada no campus do Lasell College, ela faz a ponte entre a faculdade e a comunidade. Aqui são oferecidas muitas opções para os adultos mais velhos estudarem junto com os jovens estudantes.
Assim que o Lasell Village abriu, anos atrás, todos os 210 quartos lotaram rapidamente, com mais de 110 pessoas na fila de espera. Seus moradores têm hoje em média 83 anos. A grande maioria, independentes. Os adultos idosos curtem a vida lá, enquanto os jovens estudantes valorizam ter acesso aos seus conselhos e experiência.
No Japão, o Club Encourage Mikage, uma área residencial de luxo em Kobe, é operado através da parceria com a Kansai University, uma das principais universidades privadas do país. O Mikage oferece 218 unidades de moradia. Todos os dias os idosos independentes são levados de ônibus para a escola, onde participam de aulas de história, filosofia e música, ao lado de estudantes universitários. Ao interagir com os alunos os idosos são expostos a estímulos que manterão suas mentes ativas.
As lições mostram que as empresas precisam realmente acordar. E começar a cortejar os consumidores mais velhos, com todo o fervor com que hoje idolatram os millennials. O trem está passando. A hora de embarcar é agora. Ou os 15 trilhões de dólares identificados pelo Euromonitor irão voar para outras paragens.
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Edgar Werblowsky é idealizador da Free Aging, fundador da Freeway e criador do Fórum de Comunicação e Consumo para o Mercado Grisalho, em parceria com a ESPM