Temos que reinventar a maneira de viver e morar. E de recuperar a convivência que existia entre vizinhos, nos tempos antes que a individualização extremada tomasse conta das nossas vidas e nos deixasse no deserto árido do isolamento e da solidão.
Por mais que estejamos acostumados com um modelo de vida e moradia afluente, onde os bens e serviços estejam a um toque de tecla, e imaginamos que esse é o modo de vida que existe, e ponto final, é estimulante saber que existem outras maneiras de morar e viver, ativa, intensa e significativamente.
Muitos de nós poderíamos até ter sonhado ou idealizado um modo de morar e viver com amigos. Por mais que a hipótese pareça mais como um sonho nunca realizável, existe sim um modelo de moradia que buscou aterrar esse sonho, e dar lhe contornos práticos e factíveis. O sonho começou a se materializar na distante Dinamarca, nos anos 70. Quando alguns grupos de amigos resolveram viver em comunidade, numa versão 2.0, atualizada, das iniciativas anteriores das ecovilas e das comunidades hippies, mas agora levando em consideração a manutenção individual da propriedade privada e a privacidade, tão caras para nossa sociedade.
E o sonho ganhou nome e tecnologia. Veio a chamar-se cohousing. Sua pedra de toque seria a combinação de privacidade com comunidade.
Para que as pessoas pudessem desfrutar do melhor de cada um, de uma forma cooperativa, com suporte mútuo, identificação dos talentos individuais, cooperação e desfrute de uma vida em comum. Vida em comum, vírgula, pois cada um tem a sua casa ou o seu apartamento, onde a vida privada, individual, é sagrada. Onde essa vida em comum se traduzisse em alguns jantares comunitários, cuidar da horta em equipe, desenvolver trabalhos manuais cooperativamente, criar palestras e cursos para os interessados, dar apoio aos demais membros em momentos difíceis da vida, desenvolver um senso de pertencimento, ao mesmo tempo que se dava asas ao protagonismo individual.
O melhor dos mundos. E o cohousing começou a se espraiar pelos outros países da Europa do norte, atravessou o Atlântico, chegou aos EUA e Canadá.
Ganhou pesquisadores, especialmente arquitetos, que mergulharam no estudo das comunidades já existentes na Europa, e publicaram livros e manuais, sobre como criar comunidades de cohousing.
Os cohousings começaram a se formar ao redor de valores como sustentabilidade, vida simples, respeito, e uma nova forma de criar filhos ou de envelhecer.
E foram se criando as diversas modalidade. Como cohosuings seniors, para moradores, ou melhor, membros, que é a designação mais acurada para os participantes de uma comunidade, e cohousings multigeracionais ou intergeracionais.
E também, cohousings urbanos e os cohousings rurais, para os adeptos de uma vida mais em contato com a natureza.
E onde os cohousings se diferenciam dos condomínios? Pois ambos reúnem um certo número de casas ou apartamentos e também de áreas comuns. Então qual a grande diferença?
Vamos fazer uma analogia com os primórdios da era digital. Quando o foco estava na criação dos primeiros microcomputadores. Para seus fabricantes, eles eram o grande ativo, e seriam o grande gerador de caixa e lucros das empresas. A tal ponto que eles relegaram a criação dos códigos para sua utilização, a linguagem, a interface entre os humanos e as máquinas, a empresas juniores, que se propunham a aceitar contratos de criação desse softwares, chamados de sistemas operacionais. E aí, numa reviravolta da história, o Davi engoliu o Golias, e se transformou no novo ícone desta era, relegando as empresas fabricantes das máquinas a segundo plano.
O cohousing combina o hardware dos condomínios (casa, apartamentos, vias de circulação, salas comuns, piscinas, ambulatórios, etc) ao software da criação da comunidade. E quando falamos da criação da comunidade estamos falando de um processo, que não se dá do dia para a noite, e nem por imposição, mas de uma sucessão de encontros, conversas, alinhamentos, descobertas, discussões, consensos, risos e choros, na direção da consecução do objetivo de criação do cohousing, encontros esses que aproximarão as pessoas, transformando-as, lentamente, de simples candidatos a morar juntos em verdadeiros membros de uma comunidade, com laços em comum, respeito, troca de experiências, afinidades.
Terminamos esse artigo com uma frase que explicita bem esse processo e a transformação gerada nas pessoas, por parte de um participante destas reuniões: “No início eu queria saber, e decidir, onde iria morar. Depois de tantos momentos juntos eu reformulei meu desejo: Não importa mais onde, desde que seja com vocês”. Ou seja, a alma da comunidade foi criada!
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Edgar Werblowsky é coordenador do Curso Internacional de Cohousing ( www.cursocohousing.com.br )